Introdução
A cena é conhecida: enquanto você conta centavos, o CEO posa em capas de revista celebrando ‘meritocracia’. Mas será que o salário dele reflete mérito ou privilégios acumulados? Estudos da OCDE mostram que, no Brasil, seriam necessárias nove gerações para que alguém dos 10% mais pobres atingisse a renda média[1]. Se o elevador social está quebrado, como explicar remunerações que superam mil vezes o salário dos funcionários?
1. A farsa do mérito
Meritocracia pressupõe igualdade de oportunidades, mas pesquisas evidenciam o contrário. Crianças de famílias ricas têm quatro vezes mais chance de concluir o ensino superior que as de baixa renda. Esse diferencial educacional converte-se em redes de contato e vagas disputadas. Resultado: o mito do esforço individual legitima desigualdades históricas.
Para além da educação, o mercado favorece quem já tem capital social. Promoções exigem ‘fit cultural‘, código para quem compartilha hábitos da elite corporativa. Assim, o currículo vira coadjuvante quando o sobrenome abre portas, perpetuando círculos fechados de poder.
2. Salários de outro planeta
Em 2023, CEOs de grandes empresas brasileiras ganharam em média R$ 15,3 milhões ao ano[2]. A JBS registrou disparidade de 1.100 vezes entre o topo e a mediana salarial[3]. Globalmente, a remuneração dos executivos subiu 50% desde 2019, enquanto o salário do trabalhador avançou míseros 0,9%[4][5].
Por que tamanha diferença? As empresas alegam bônus atrelados a performance, mas nem sempre resultados justificam cifras estratosféricas. A Vale pagou R$ 55 milhões ao seu presidente no ano seguinte ao desastre de Brumadinho[6]. Performance para quem?
3. Eficácia questionável
Um estudo da Oxfam mostrou que altos salários não se traduzem em produtividade superior; na verdade, correlação é fraca após certo patamar. Além disso, generosos pacotes de ações incentivam decisões de curto prazo: cortes de custos que inflacionam lucro imediato, mesmo que prejudiquem a sustentabilidade do negócio — e dos empregos.
4. Consequências sociais
A desigualdade salarial não é mero detalhe. Relatório do MTE revela que mulheres ganham 20,9% menos que homens em funções equivalentes[7]. Quando o topo leva fatia exagerada, resta menos para equilibrar a base, aprofundando hiatos de gênero e raça.
5. O que fazer
- Transparência total de faixas salariais — experiência internacional mostra que publicar dados reduz disparidades.
- Limitar remuneração variável a métricas ambientais e sociais, não só preço da ação.
- Imposto progressivo sobre bônus milionários para financiar educação pública de qualidade.
- Fortalecer sindicatos: negociação coletiva diminui o gap entre chefes e base.
Conclusão
Enquanto ‘meritocracia’ for slogan para justificar salários obscenos, o abismo social seguirá crescendo. Reconhecer o problema é passo inicial; o seguinte é pressionar por transparência e justiça. Afinal, se o chefe realmente merecesse, não teria medo de revelar quanto ganha.
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