O Privilégio de Ter Tempo para Ser Saudável: Como o Capitalismo Vende Seus Sonhos e Rouba Sua Vida

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Deixe-me contar algo que os coaches de Instagram não querem que você saiba: a busca por uma vida saudável no capitalismo é o maior teatro de crueldade já criado. Vocês acham que é coincidência que desejam exatamente aquilo que não podem ter? Que ingenuidade adorável…

O traidor da classe ensina hoje como o sistema descobriu a fórmula perfeita: fazer você desejar o que ele mesmo torna impossível para você alcançar.

A Compra e Venda do Seu Tempo: O Negócio Mais Sujo do Capitalismo

Vamos começar com uma verdade incômoda que aprendi nos meus anos de burguês cínico: o trabalho assalariado é literalmente a compra do seu tempo de vida. Um velho barbudo já sabia disso quando escreveu sobre a mais-valia, mas deixem-me traduzir para vocês em linguagem menos acadêmica.

Quando você assina um contrato de trabalho, não está vendendo apenas sua “força de trabalho” – está vendendo pedaços da sua existência que jamais voltarão. E o capitalismo descobriu que pode comprá-los bem barato, porque vocês não têm escolha mesmo.

Segundo dados do Ministério da Previdência Social, em 2024 foram registrados mais de 472 mil afastamentos do trabalho, um aumento de 68% em relação ao ano anterior [1] [2]. Coincidência? Claro que não. É o resultado natural de um sistema que literalmente “usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção saudável do corpo”, como o mesmo velho já alertava há mais de 150 anos.

O Teatro das Redes Sociais: Vendendo o Impossível

Agora vem a parte mais cruel e inteligente do esquema. Enquanto o capitalismo rouba seu tempo, as redes sociais criam a ilusão perfeita da vida que você “deveria” estar vivendo. Aquele café da manhã saudável, a caminhada matinal, o alongamento pós-despertar – tudo isso vira conteúdo para te fazer sentir inadequado [3] [4].

A verdade que descobri observando esse circo por décadas é simples: essas vidas perfeitas são mentira. São encenações cuidadosamente editadas de pessoas que, ou têm dinheiro suficiente para não trabalhar como vocês, ou estão se endividando para manter a farsa [5].

Como pesquisadores da área já confirmaram, “a vida editada não corresponde à vida real” [6]. As redes sociais são uma “vitrine cuidadosamente editada” onde “ninguém posta a louça suja, a briga boba do casal, o dia ruim no trabalho ou aquela crise de ansiedade no meio da noite” [7].


Os Coaches: Os Novos Vendedores de Ilusão

E aquí entra o personagem mais nojento dessa peça: o coach. Esse ser que descobriu como capitalizar em cima da sua frustração existencial. Eles aparecem prometendo que é só “questão de foco” e “organização” para você ter a vida dos sonhos [8] [9].

No Brasil, 70% da força de trabalho recebe menos que dois salários mínimos e a maioria do brasileiro tem um trabalho merda, ganha mal e não tem perspectiva de progredir [10]. Mas o coach vai te dizer que é só “mentalidade”.

A realidade é que o coaching virou “exploração da insegurança universal” e “falsa autoajuda como verdade humana”, servindo apenas para “pacificar um sujeito sem valor algum, cultural ou de troca, na cultura de sua máxima exploração, física e psíquica” [11].

A Escala 6×1: O Símbolo da Nossa Escravidão Moderna

Falemos sobre o elefante na sala: a escala 6×1. Trabalhar seis dias para descansar um é a prova mais clara de que vivemos numa sociedade doente. Mas o sistema ainda tenta te convencer de que isso é “normal” [12] [13].

Os números são assustadores: trabalhadores na escala 6×1 são mais vulneráveis a transtornos mentais e acidentes de trabalho [14]. A jornada 6×1 está diretamente associada “a altos níveis de insatisfação e rotatividade”. Cerca de 20,88 milhões de brasileiros – 20% da população ocupada – trabalham além do limite legal de 44 horas semanais [15].

Uma PEC tramita no Congresso para acabar com essa aberração, propondo jornada de 4 dias de trabalho e 3 de descanso. Mas adivinhem quem está resistindo? Os mesmos que lucram com a venda do seu tempo.

A Saúde Mental Como Produto da Lógica Capitalista

O que mais me revolta é ver como transformaram até a saúde mental em mercadoria. Christian Dunker, psicanalista da USP, revelou algo fundamental: “o neoliberalismo descobriu que o sofrimento pode ser gerenciado e capitalizado para fazer o trabalhador aumentar a produtividade” [16].

Em outras palavras: eles descobriram como lucrar com seu sofrimento. Não é à toa que os afastamentos por ansiedade aumentaram mais de 400% em relação a 2014. O sistema literalmente produz doença mental para depois vender a cura.

E a “cura” vem na forma de aplicativos de meditação, cursos de produtividade, e – adivinha só – coaches prometendo resolver em 3 meses o que o capitalismo levou décadas para quebrar.

A Contradição Fundamental: Produção vs. Realização

José Kobori explica perfeitamente a contradição básica do sistema: “para você fazer a sua produção e colocar a sua mercadoria no mercado você precisa de demanda… mas para você ter lucro você precisa contratar uma força de trabalho nos menores níveis salariais possíveis”.

Traduzindo: o sistema precisa que vocês tenham dinheiro para consumir, mas também precisa pagar vocês o mínimo possível. É por isso que surge o capitalismo financeiro – para emprestar dinheiro para vocês comprarem o que vocês mesmos produziram, mas não podem pagar.

E no meio dessa loucura, ainda querem que vocês encontrem tempo para fazer exercícios e comer orgânicos.


As Consequências Reais: Quando o Corpo Cobra a Conta

A conta sempre chega. Os dados de 2024 são aterrorizantes: foram mais de 440 mil afastamentos por transtornos mentais, sendo que os principais são transtornos de ansiedade (141.414 casos) e episódios depressivos (113.604 casos) [17].

Mulheres representam 63,8% dos casos, porque além de venderem seu tempo como os homens, ainda carregam o peso do trabalho doméstico não remunerado [18]. É a dupla jornada que o capitalismo adora fingir que não existe.


O Que Fazer? A Saída Anticapitalista

Já que estamos aqui, vamos aprender as regras do jogo. Primeiro: parem de se culpar. Vocês não conseguem ter uma vida saudável porque o sistema foi desenhado para isso ser impossível. É autodefesa, não falha pessoal.

Segundo: organizem-se coletivamente. O movimento “Vida Além do Trabalho” que surgiu no TikTok e pressiona pelo fim da escala 6×1 é um possível caminho. A mudança não vem de coach individual, vem de luta coletiva.

Terceiro: entendam que saúde é questão política. Como disse Eduardo Moreira, a redução da carga horária é fundamental “para a saúde mental dos trabalhadores”. Não é luxo, é sobrevivência.

A Verdade Que Não Te Contam

A verdade inconveniente é esta: vocês não podem ser verdadeiramente saudáveis sob o capitalismo. Podem mitigar os danos, podem resistir, podem lutar por migalhas de tempo livre, mas a saúde plena só vem quando paramos de vender nosso tempo de vida para enriquecer outros.

Enquanto o sistema existir, a conta da academia vai competir com a conta da luz. O tempo do exercício vai competir com o tempo do trabalho. A comida saudável vai competir com o aluguel.

É assim que o capitalismo funciona: criando desejos que ele mesmo torna impossíveis para a maioria.

Quero ver o circo pegar fogo, mas enquanto isso, protejam-se como podem. Façam as pazes com o possível. E nunca se esqueçam: o problema não são vocês. O problema é o sistema que nos odeia.

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