Quando os Ricos Governam: A Oligarquia Segundo Aristóteles

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Existe uma ilusão perigosa circulando por aí: a de que vivemos em democracias plenas, onde o poder está distribuído e as decisões são tomadas em benefício da maioria. Deixe-me contar um segredo que poucos ousam dizer abertamente: Aristóteles já sabia, há mais de 2.300 anos, que quando a riqueza concentra poder, não é o povo quem governa. E o filósofo grego não estava falando de uma distopia futurista – ele estava observando o que acontecia nas cidades-estados ao seu redor, depois de estudar 158 constituições diferentes.

A verdade é que estamos vivendo exatamente o tipo de sistema que Aristóteles categorizou como uma das formas mais instáveis e perigosas de governo: a oligarquia. E antes que você pense que isso é teoria antiga sem relevância, pare por um instante e observe: em 2024, apenas 2.769 bilionários acumularam US$ 2 trilhões em um único ano – quase US$ 6 bilhões por dia – enquanto o número de pessoas na pobreza praticamente não mudou desde 1990. Se isso não é governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos, não sei o que seria.

O Que Aristóteles Chamava de Oligarquia

Quando Aristóteles escreveu sua obra “Política”, ele não estava apenas teorizando sobre formas de governo – estava fazendo uma análise empírica baseada em décadas de observação. Ele identificou seis tipos de governo, divididos em três formas verdadeiras (que visam o bem comum) e três formas corrompidas (que visam apenas o benefício dos governantes). A oligarquia, para ele, era a versão degenerada da aristocracia.

Mas aqui está o ponto crucial: aristocracia não é governo dos ricos, mas governo dos melhores – aqueles mais capazes e dedicados ao interesse público. Já a oligarquia é quando o critério de seleção deixa de ser competência ou compromisso com o bem comum e passa a ser simplesmente quanto dinheiro você tem. Como Aristóteles mesmo observou, “na oligarquia governam os ricos e os nobres, que representam a minoria”.

A transformação não acontece da noite para o dia. Aristóteles percebeu que é um processo gradual e muitas vezes sutil. Começa quando a riqueza passa a ser apenas um fator entre muitos na escolha de líderes. Com o tempo, torna-se o fator dominante. Eventualmente, é o único que importa. E quando você chega nesse ponto, o sistema político inteiro se torna um instrumento para proteger e expandir a riqueza de quem já está no topo.

As Táticas do Poder Oligárquico

O que torna a oligarquia especialmente insidiosa é que ela opera dentro das estruturas legais existentes, dando uma aparência de legitimidade. Os oligarcas não precisam de golpes militares – eles simplesmente manipulam as regras do jogo para garantir que só eles possam jogar.

Aristóteles identificou várias formas que isso pode tomar. Em alguns casos, existem qualificações de propriedade explícitas para ocupar cargos públicos. Em outros, o processo de se candidatar é tão caro que automaticamente exclui a maioria da população. O dinheiro se torna a barreira de entrada para a participação política. E não estamos falando apenas de regras escritas em códigos legais – estamos falando de influência informal, conexões, acesso privilegiado aos corredores do poder.

No Brasil, isso fica cristalino quando observamos que em 2014, candidatos brancos investiam em média R$ 399 mil em suas campanhas, enquanto candidatos negros gastavam R$ 138 mil. Mulheres negras? Apenas R$ 45 mil – quase dez vezes menos que homens brancos. Esse não é um acidente: é o sistema funcionando exatamente como foi projetado.

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Uma vez estabelecida, a oligarquia usa várias estratégias para se manter no poder. Primeiro, controla o sistema educacional, garantindo que apenas seus filhos tenham acesso às oportunidades necessárias para posições de liderança. Segundo, molda as leis para servir seus interesses – proteção de monopólios, regulações que eliminam competição, códigos tributários que favorecem os mais ricos. Terceiro, cria alianças fechadas entre as elites através de casamentos estratégicos, interesses comerciais compartilhados e círculos sociais exclusivos.

O resultado é uma classe governante tão entrelaçada que age como um único organismo, protegendo seus privilégios coletivos enquanto mantém as aparências de um sistema aberto e meritocrático.

Os Sinais de Uma Sociedade Oligárquica

Como saber se você vive em uma oligarquia? Aristóteles nos deu pistas que continuam surpreendentemente relevantes. Observe as leis e regulamentações: elas beneficiam consistentemente os mais ricos às custas da população geral? Examine as políticas econômicas: elas aumentam ou diminuem a concentração de riqueza?

Em sociedades oligárquicas, o acesso real ao poder político é restrito aos abastados. Não importa se tecnicamente qualquer um pode se candidatar – na prática, você precisa de milhões em recursos próprios ou do apoio de doadores ricos para ter alguma chance. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte equiparou o uso de dinheiro na política ao exercício da liberdade de expressão, abrindo as comportas para que bilionários influenciem o sistema político de forma praticamente ilimitada e muitas vezes secreta.

Outro sinal revelador é a porta giratória entre governo e setor privado. Quando você vê um fluxo constante de pessoas saindo de posições políticas de alto nível para empregos corporativos lucrativos – ou vice-versa – está observando exatamente o tipo de aliança próxima entre riqueza e poder que Aristóteles associava com oligarquia.

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E talvez o indicador mais importante: mobilidade social. Em sociedades oligárquicas, as barreiras de classe são rigorosamente mantidas. No Brasil, uma pessoa nascida entre os 10% mais pobres precisa de 9 gerações – aproximadamente 225 anos – para que um descendente alcance a renda média. Isso não é acidente da natureza. É design institucional.​​

A Instabilidade Inerente das Oligarquias

Aqui está a boa notícia que Aristóteles nos traz: oligarquias são inerentemente instáveis. Na verdade, ele as considerava o segundo tipo de governo mais instável, perdendo apenas para as tiranias.

Por quê? Porque a tensão constante entre os muito ricos e os muito pobres cria o que Aristóteles chamou de “barril de pólvora” de agitação social. A desigualdade extrema não é sustentável indefinidamente. Em algum momento, o sistema entra em colapso.

Aristóteles identificou várias formas pelas quais isso pode acontecer. Primeiro, conflitos internos entre os próprios oligarcas. Quando um pequeno grupo dentro da elite tenta monopolizar todo o poder, isso gera ressentimento mesmo dentro da classe governante. Segundo, a introdução de novos grupos sociais ou étnicos sem que haja integração real, o que pode desestabilizar o sistema. Terceiro, e mais importante, revolta popular contra a opressão sistemática.

Existe também um aspecto geracional fascinante que Aristóteles observou: os filhos dos oligarcas, criados em luxo e conforto, tendem a se tornar fracos e degenerados ao longo do tempo. Enquanto isso, os filhos dos pobres são endurecidos por suas circunstâncias difíceis. Essa disparidade eventualmente equipa os de baixo para se rebelar com sucesso contra seus governantes.

A Oligarquia Moderna: Velhas Táticas, Novas Roupagens

Se você acha que estou exagerando ao traçar paralelos entre a análise aristotélica e o mundo contemporâneo, considere os fatos. Em 2024, o número de bilionários subiu para 2.769, com fortunas combinadas de US$ 15 trilhões – um aumento de US$ 2 trilhões em apenas 12 meses. A uma taxa de crescimento três vezes mais rápida que em 2023, a Oxfam prevê que teremos pelo menos cinco trilionários dentro de uma década.

Enquanto isso, 44% da humanidade vive com menos de US$ 6,85 por dia, e as taxas de pobreza global praticamente não mudaram desde 1990. O 1% mais rico possui agora 45% da riqueza global. No Brasil, os 10% mais ricos absorvem quase 60% da renda nacional.

Mas a concentração de riqueza não é apenas uma questão econômica – é uma questão de poder político. O cientista político Jeffrey Winters argumenta que a oligarquia não depende do tipo de regime político; ela existe tanto em democracias quanto em autocracias. A única diferença são os métodos utilizados para defender a riqueza: quando o Estado garante os direitos de propriedade dos oligarcas, a violência direta se torna desnecessária e é substituída por manipulação legal e influência política.

A posse de Donald Trump em 2025 cristalizou essa realidade de forma quase obscena. Sentados na primeira fila estavam os maiores bilionários do mundo – donos da Meta, Google, X, Amazon, OpenAI e Apple. Elon Musk, o homem mais rico do planeta, que doou US$ 277 milhões para a campanha de Trump, fez parte do governo. Treze dos principais nomeados iniciais para altos cargos do governo são bilionários. Como observou o diretor da Oxfam, “a joia da coroa dessa oligarquia é um presidente bilionário, apoiado pelo homem mais rico do mundo, que comanda a maior economia do planeta”.

Não se engane pensando que isso é exclusividade estadunidense. Enquanto 204 novos bilionários foram criados em 2024 – quase quatro por semana –, pessoas comuns em todo o mundo vêem suas vidas se tornarem cada vez mais precárias. Os filhos das classes trabalhadoras saem de casa mais tarde, casam mais tarde, têm menos filhos, compram casas mais tarde (quando conseguem). E não é coincidência: é consequência direta da crescente concentração de riqueza e poder.

O Que Aristóteles Nos Ensina Hoje

A análise de Aristóteles sobre oligarquia não é apenas relevante – ela é urgentemente necessária. Ele nos ensinou que quando o governo serve apenas aos interesses de poucos privilegiados, em vez do bem comum, não importa quantas eleições você faça ou quantas leis você escreva: você não tem democracia.

A questão fundamental não é se existem pessoas ricas. Sempre haverá diferenças de riqueza em qualquer sociedade. A questão é: a riqueza determina quem tem voz política? A riqueza molda as leis em benefício próprio? A riqueza cria barreiras intransponíveis à participação e à mobilidade social?

Aristóteles nos mostrou que oligarquias eventualmente caem, mas raramente são substituídas por algo melhor. Muitas vezes, o colapso de uma oligarquia leva a outra oligarquia, ou a uma tirania. A menos, é claro, que exista organização popular consciente e comprometida em construir algo verdadeiramente diferente.

O filósofo grego não tinha ilusões sobre a natureza humana. Ele sabia que aqueles com poder e riqueza farão de tudo para mantê-los. Mas ele também sabia que sistemas baseados em desigualdade extrema carregam as sementes de sua própria destruição (muito antes de um velho barbudo escrever o mesmo). A tensão entre ricos e pobres não pode ser reprimida indefinidamente.

Então, da próxima vez que alguém te disser que vivemos em uma democracia funcional, que o sistema é aberto a todos, que basta trabalhar duro para prosperar – lembre-se do que Aristóteles observou há mais de dois milênios. E pergunte-se: quem realmente governa? Para quem o sistema funciona? E a quem ele serve?

As respostas a essas perguntas dirão tudo que você precisa saber sobre o tipo de sociedade em que você vive.


Para aprofundar sua compreensão sobre oligarquia, concentração de riqueza e poder político, confira este vídeo:

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