Capítulo I – A Forma Jurídica Como Fetiche: O Teatro Judicial de Sérgio Moro Contra Lula

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Deixem-me contar algo que os juristas não querem que vocês saibam: o Direito não existe para fazer justiça. Existe para perpetuar a dominação de classe. E o caso Lula é a prova mais cristalina disso.

Quando Sérgio Moro condenou Luiz Inácio Lula da Silva em julho de 2017 a 9 anos e 6 meses de prisão, não assistimos a um “ato de justiça” como bradaram os liberais. Presenciamos o funcionamento perfeito da forma jurídica capitalista teorizada pelo jurista soviético Evgeny Pashukanis em sua obra fundamental “Teoria Geral do Direito e Marxismo” (1924).

O Fetichismo da Forma Jurídica

Pashukanis demonstrou que o Direito moderno surge junto com as relações mercantis capitalistas. Assim como a mercadoria oculta as relações sociais de exploração por trás de sua aparente neutralidade, a forma jurídica mascara a dominação de classe por trás de uma suposta imparcialidade técnica.

O “sujeito de direito” – conceito central da teoria pachukanniana – é o reflexo jurídico do proprietário de mercadorias no mercado. Todos são “iguais perante a lei” da mesma forma que todas as mercadorias são “iguais” na circulação – uma igualdade abstrata e formal que esconde profundas desigualdades materiais.

No processo contra Lula, vimos essa mecânica em ação de forma exemplar. Moro se apresentou como o “juiz imparcial” aplicando “tecnicamente” a lei, quando na verdade executava um projeto político específico: neutralizar o principal líder popular brasileiro às vésperas das eleições de 2018.

O Triplex Como Símbolo: A Propriedade Privada em Julgamento

A acusação central girava em torno de um apartamento triplex em Guarujá. Mais que um imóvel, aquele apartamento simbolizava a sacralidade da propriedade privada – fundamento último do sistema capitalista que o Direito existe para proteger.

Seguindo a lógica marxista de Alysson Mascaro, o Estado burguês não pode tolerar que líderes populares questionem – mesmo que moderadamente – os fundamentos da acumulação capitalista. As reformas sociais do governo Lula, embora tímidas, representavam uma ameaça simbólica à ordem estabelecida.

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A elite brasileira precisava de um “exemplo” para demonstrar que mesmo ex-presidentes estão sujeitos à “lei” – leia-se, à ordem burguesa. O triplex serviu como pretexto perfeito: suficientemente concreto para gerar indignação, suficientemente abstrato para permitir interpretações jurídicas flexíveis.

A Violência Estatal Disfarçada de Legalidade

Marx já havia teorizado que o Direito é uma forma específica de violência de classe. Não é a violência bruta do escravismo, mas a violência “civilizada” da submissão jurídica. O trabalhador não é açoitado – é “livremente” obrigado a vender sua força de trabalho ou morrer de fome.

No caso Lula, a prisão em abril de 2018 representou essa violência jurídica em sua forma mais pura. Sem trânsito em julgado, sem provas materiais convincentes, mas com toda a pompa e circunstância do fetiche jurídico. A forma importava mais que o conteúdo – característica essencial do formalismo burguês.

O Lawfare Como Estratégia de Classe

O processo contra Lula deve ser compreendido dentro do fenômeno mais amplo do lawfare – o uso instrumental do sistema jurídico para fins políticos. Não foi coincidência que a condenação ocorreu no momento exato em que Lula liderava todas as pesquisas eleitorais.

A teoria crítica brasileira, especialmente os trabalhos de Hector Cury Soares e Wesley Pereira Tomaz, demonstra como a judicialização da política no Brasil pós-1988 serve para despolitizar conflitos sociais, canalizando-os para dentro do aparato estatal burguês.

A Função Ideológica da “Operação Lava Jato”

A Lava Jato não combateu a corrupção – reorganizou os esquemas de dominação burguesa. Destruiu empreiteiras nacionais em favor do capital estrangeiro, desmontou programas sociais e consolidou uma narrativa antipetista funcional aos interesses das classes dominantes.

Como ensina Bernard Edelman em “A Legalização da Classe Operária”, o Direito do Trabalho – aparentemente conquista operária – na verdade integra e domestica a luta de classes. Similarmente, o “combate à corrupção” da Lava Jato serviu para legitimar o desmonte de políticas distributivas.

O Direito Como Teatro da Dominação

O julgamento de Lula foi puro teatro burguês. Moro no papel do juiz incorruptível, promotores como heróis da República, mídia como coro grego – todos representando seus papéis na farsa jurídica que mantém as estruturas de poder intocadas.

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A subsequente nomeação de Moro como Ministro da Justiça no governo Bolsonaro revelou o caráter político de suas decisões judiciais. Mas para a teoria marxista, isso não era “escândalo” – era o funcionamento normal da forma jurídica capitalista.

A condenação de Lula demonstra que no capitalismo periférico brasileiro, o Direito funciona como instrumento direto de dominação política. Não há “independência” dos poderes – há divisão de tarefas na reprodução da ordem burguesa.

O traidor da classe revela: o Direito não é neutro, não é técnico, não é justo. É a violência de classe travestida de racionalidade. O caso Lula é apenas o exemplo mais didático de como a forma jurídica serve ao capital – sempre serviu, sempre servirá, até que a própria forma seja superada junto com as relações sociais que a sustentam.


Vocês pensam que só vou escrever sobre o Lula? Esperem as cenas dos próximos capítulos.

Leia também o Capítulo II: – O Estado Como Forma do Capital: O Caso Bolsonaro e o STF

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