Capítulo II – O Estado Como Forma do Capital: O Caso Bolsonaro e o STF

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Enquanto vocês discutem se Bolsonaro é culpado ou inocente, eu vou explicar por que isso não importa. O que importa é entender como o Estado burguês se autorregula.

Os múltiplos inquéritos contra Jair Bolsonaro no STF não representam o “triunfo da democracia” sobre o “autoritarismo”. Representam o funcionamento normal do Estado capitalista se reorganizando após uma “anomalia sistêmica” – um governo que ameaçou os equilíbrios necessários à reprodução do capital.

A Teoria da Forma Política de Mascaro

Alysson Mascaro, em “Estado e Forma Política” – uma das mais importante do pensamento político e jurídico do Brasil – demonstra que o Estado não é externo ao capital, mas sua forma derivada.

O Estado burguês não serve “aos capitalistas” como instrumento. É uma forma social específica que emerge das próprias relações capitalistas de produção, assim como o Direito e a mercadoria. Possui autonomia relativa, mas sempre dentro dos limites estruturais impostos pela lógica do capital.

Bolsonaro Como “Anomalia Sistêmica”

O governo Bolsonaro representou aquilo que podemos chamar de “anomalia sistêmica” – um governo burguês que ameaçava as formas políticas estáveis necessárias à acumulação capitalista. Não por ser “antissistema”, mas por ser excessivamente explícito em sua brutalidade.

O bolsonarismo reatualiza a via autocrática brasileira, mas de forma descontrolada. Atacava as urnas eletrônicas, flertava com golpes militares, disseminava fake news de maneira desorganizada. Era capitalismo selvagem demais até para o próprio capitalismo.

A Autorregulação Estatal em Ação

Os inquéritos no STF – interferência na PF, fake news, ataques às urnas, tentativa de golpe – representam o Estado burguês se autorregulando. Não para “defender a democracia”, mas para preservar as condições jurídico-políticas adequadas à reprodução capitalista.

Alexandre de Moraes, relator da maioria desses inquéritos, não age como “guardião da Constituição”. Age como operador da forma política estatal, garantindo que os conflitos sejam processados dentro dos canais institucionais adequados.

A elite brasileira tolerou Bolsonaro enquanto ele executava a agenda ultra-neoliberal: teto de gastos, marco do saneamento, lei das estatais. Quando começou a ameaçar a estabilidade sistêmica com seus ataques golpistas, o próprio Estado acionou seus mecanismos de defesa.

O Fetiche da Independência dos Poderes

A teoria liberal apresenta os “três poderes” como instâncias independentes que se “fiscalizam mutuamente”. Mais uma ilusão jurídica. Os três poderes são apenas diferentes momentos da mesma forma política estatal.

O Judiciário não “controla” o Executivo. Ambos são expressões da forma-Estado capitalista, que possui mecanismos internos de autorregulação. Quando Bolsonaro ameaçou esses mecanismos, o sistema ativou seus anticorpos.

A Função Ideológica do Processo Penal

Os processos contra Bolsonaro servem para reconstituir a legitimidade da forma jurídico-política brasileira. Após quatro anos de ataques diretos às instituições, era necessário demonstrar que “ninguém está acima da lei” – leia-se, que as formas políticas burguesas funcionam.

O processo penal tem função pedagógica: ensina à sociedade os limites do politicamente aceitável. Bolsonaro está sendo “educado” dentro dos parâmetros da civilidade burguesa.

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A Crítica ao Constitucionalismo Liberal

O constitucionalismo brasileiro pós-1988 criou a ilusão de que direitos formais equivalem a garantias materiais. Isso não passa de uma armadilha ideológica.

Os direitos constitucionais funcionam como “válvula de segurança” do sistema. Permitem contestações formais que não ameaçam as estruturas fundamentais de dominação. Bolsonaro foi processado, condenado, talvez passe algum tempo preso, mas o capitalismo brasileiro continuará intocado.

O STF Como Guardião da Ordem Burguesa

O Supremo não defende “direitos humanos” ou “democracia”. Defende a estabilidade da forma política necessária ao capital financeiro. Por isso tolerou o golpe de 2016 contra Dilma, mas não tolera os excessos bolsonaristas.

A diferença é sutil mas fundamental: o impedimento de Dilma seguiu os rituais jurídico-políticos adequados. Os ataques de Bolsonaro ameaçavam as próprias formas políticas – o que é inaceitável para a reprodução capitalista.

A Teatralidade Judicial Novamente

Assim como no caso Lula, presenciamos puro teatro jurídico. Ministros como defensores da democracia, procuradores como heróis republicanos, advogados como últimos bastiões da civilização. Todos representando na farsa que reconstitui a legitimidade estatal.

A diferença é que agora o teatro serve para reestabilizar o sistema após o “experimento Bolsonaro”. Não para destruir lideranças populares, mas para domesticar lideranças burguesas excessivamente brutas.

O Capital Não Tem Preferências Políticas Definitivas

A elite brasileira experimentou com Bolsonaro, assim como experimentou com Lula anteriormente. Quando cada “experimento” esgotou sua utilidade ou gerou custos excessivos, o próprio sistema se encarregou de produzir as “correções” necessárias.

O capital não é “de direita” ou “de esquerda”. É despótico com a classe trabalhadora e tolerante com qualquer forma política que garanta sua reprodução. Bolsonaro ultrapassou os limites dessa tolerância.

O traidor da classe ensina: a condenação de Bolsonaro não é uma vitória popular. É apenas o Estado burguês funcionando como deve – eliminando os elementos que ameaçam sua estabilidade. O sistema não está sendo questionado – está sendo aperfeiçoado.


Leia também o Capítulo III – Direito e Ideologia: Como a Justiça Manipula a Consciência Popular

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Uma resposta para “Capítulo II – O Estado Como Forma do Capital: O Caso Bolsonaro e o STF”

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