Vocês acham que investir é democrático? Que ingenuidade adorável. Deixe-me contar algo que a classe dominante não quer que você saiba: enquanto eles te vendem o sonho de ficar rico com day trade, eles mesmos estão confortavelmente sentados em cima de uma montanha de dinheiro que rende 15% ao ano, sem risco, sem estresse, sem precisar adivinhar para onde vai o próximo candle.
O nome disso? Tesouro Selic. O investimento mais seguro do Brasil, garantido pelo mesmo governo que imprime o dinheiro. E hoje, ele é a régua que expõe a farsa da maioria dos “gurus” de investimento que infestam suas redes sociais.
A culpa não é sua, é do capitalismo. Mas já que estamos aqui, vamos aprender as regras para não sermos os otários da vez.

O Experimento: Testando os “Magos do Mercado” Contra a Realidade Brasileira
Cansado de ouvir promessas de lucros estratosféricos, decidi fazer o que todo bom cético faz: testar. Peguei os ensinamentos de 8 livros considerados a “bíblia” do mercado financeiro e criei uma série de estratégias de trading para a bolsa brasileira. Não foram escolhas aleatórias. Foram os clássicos que todo vendedor de curso cita (mas provavelmente nunca leu):
• Steve Nison – Japanese Candlestick Charting Techniques: O pai dos padrões de candlestick que todo trader acha que entende.
• Jack Schwager – Market Wizards: Entrevistas com os “melhores” traders do mundo, aqueles que supostamente quebraram o código.
• Mark Douglas – Trading in the Zone: A psicologia do trading, porque aparentemente o problema é sempre sua cabeça, nunca o sistema.
• Max Gunther – Os Axiomas de Zurique: Regras de especulação dos banqueiros suíços, a elite da elite.
• John Murphy – Technical Analysis of the Financial Markets: A enciclopédia da análise técnica, 600 páginas de gráficos e indicadores.
• Al Brooks – Trading Price Action Trends: O guru do price action, aquele que diz que você não precisa de indicadores, só de “olho clínico”.
• Décio Bazin – Faça Fortuna com Ações, Antes que Seja Tarde: O clássico brasileiro sobre investimento em dividendos.
• Andrew Aziz – How to Day Trade for a Living: O manual do day trader moderno, completo com histórias de superação.
O objetivo era simples: criar um sistema que, rodando de forma automática, conseguisse superar a Selic de 15% ao ano. Afinal, se não for para ganhar mais, por que diabos alguém assumiria o risco de perder dinheiro na bolsa?
Testei 4 abordagens diferentes com dados reais dos últimos 2 anos (2023-2025) nas 20 ações mais líquidas da bolsa brasileira:
- Estratégia Conservadora: Super seletiva, só entrava nas melhores oportunidades. Poucos trades, alta qualidade. Baseada em padrões de candlestick clássicos (Hammer, Engulfing) + confirmação de múltiplos indicadores (RSI, MACD, médias móveis).
- Estratégia Agressiva: Relaxei os critérios para operar mais. Mais ação, mais risco. Aceitava padrões aproximados e sinais mais fracos.
- Estratégia Balanceada: Um meio-termo entre as duas. Critérios intermediários, buscando equilibrar frequência e qualidade.
- Estratégia Híbrida: Misturando posições de longo prazo (position trading seguindo tendências) com trades curtos (swing trading em momentos de volatilidade).
Os resultados foram… reveladores.
A Verdade Nua e Crua: Um Massacre da Renda Fixa
Nenhuma, eu repito, nenhuma das estratégias de trading conseguiu sequer chegar perto de bater a Selic. Foi um banho de água fria, um verdadeiro choque de realidade que os vendedores de curso convenientemente omitem.
| Estratégia | Retorno Anualizado | Drawdown (Pior Queda) | Número de Trades |
| Conservadora | +1,78% | -11,98% | 21 |
| Balanceada | -2,95% | -17,90% | 28 |
| Agressiva | -11,73% | -33,88% | 98 |
| Híbrida | ~+1% | -7,10% | 73 |
| Buy & Hold (Ibovespa) | +13,49% | ~-15% | 0 |
| Tesouro Selic | +15% | 0% | 0 |
Tradução: A melhor estratégia, a mais cuidadosa e baseada nos maiores “magos” do mercado, rendeu 13,22 pontos percentuais a menos que a renda fixa. A estratégia agressiva, que prometia mais emoção, simplesmente incinerou 23% do capital em dois anos.
O mais irônico? Simplesmente comprar o índice Ibovespa e esquecer na carteira (Buy and Hold) teria rendido 13,49% ao ano, um resultado muito superior a qualquer tentativa de ser mais esperto que o mercado, e ainda assim, ligeiramente abaixo da Selic.
E tem mais: esses números não incluem os custos reais de operar. Corretagem (R$ 10-20 por ordem), emolumentos da B3 (0,03%), imposto de renda (15% sobre ganhos) e slippage (diferença entre preço teórico e real de execução). Somando tudo, podemos subtrair mais 2 a 5 pontos percentuais do retorno. A estratégia conservadora, na prática, provavelmente teria perdido dinheiro.
Por Que as Estratégias Falham Miseravelmente?
O sistema é cruel e você não é herdeiro. Entender por que essas estratégias falham é entender a lógica do próprio capitalismo financeiro.
1. A Selic Alta é o “Custo de Oportunidade” do Capital
Com a Selic a 15%, o grande capital não precisa correr riscos. Ele pode simplesmente emprestar dinheiro para o governo e receber um retorno gordo e garantido. Para que um investimento na bolsa valha a pena, ele precisa prometer um retorno muito superior a 15% para compensar a volatilidade, o risco de perda e a dor de cabeça.
Qualquer estratégia que rende menos que isso é, objetivamente, uma má alocação de capital. É como trocar um filé mignon garantido por uma promessa de picanha que, no final, se revela um pedaço de acém duro.
Essa é a grande sacada que os vendedores de curso escondem: as estratégias de trading só fazem sentido econômico em ambientes de juros baixos. Quando a Selic estava em 2% (2020-2021), qualquer coisa na bolsa parecia genial. Com juros a 15%, o jogo muda completamente.
2. O Mito do “Dinheiro Rápido”
Os vendedores de curso exploram o desespero. Eles vendem a ideia de que é possível transformar R$ 1.000 em R$ 10.000 em um mês. Os dados mostram o contrário. Um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) revelou que, durante a pandemia, brasileiros perderam R$ 9,9 bilhões com day trade. Isso mesmo, bilhões com “b”. Não é um jogo para amadores, é uma máquina de transferir renda dos pequenos para os grandes players: corretoras, bancos e os próprios “gurus” que vendem cursos.
A pesquisa mostrou que a perda média foi de R$ 10.200 por pessoa. Aposentados perderam em média R$ 15.000. Estudantes, R$ 8.500. Não importa o perfil, o resultado é sempre o mesmo: transferência de patrimônio de quem tem pouco para quem tem muito.
Nossos testes confirmaram: quanto mais se opera, mais se perde. A estratégia agressiva, com 98 trades em 2 anos, foi a que mais deu prejuízo (-11,73% ao ano). A conservadora, com apenas 21 trades, foi a única que não destruiu capital, mas mesmo assim rendeu menos que deixar o dinheiro parado na poupança.
3. O Mercado em Tendência Engole os Traders
O período que testamos (2023-2025) foi de alta consistente na bolsa. O Ibovespa subiu 27% em dois anos. Contrariando a intuição, isso é péssimo para o swing trader. Por quê? Porque o mercado sobe, corrige um pouco (o suficiente para acionar seu stop loss e te tirar da jogada com prejuízo), e depois volta a subir sem você. Você vende na baixa, assiste de fora a alta, e se sente um idiota.
Enquanto isso, quem simplesmente comprou e segurou, ignorando o ruído, capturou o movimento completo. É a ironia suprema: tentar ser mais esperto que o mercado te faz perder dinheiro em um período de alta generalizada.
Ações como ITUB4 (Itaú) subiram 81% no período. ELET3 (Eletrobras) subiu 67%. VIVT3 (Telefônica) subiu 54%. Mas nenhuma estratégia de swing trading conseguiu capturar esses movimentos, porque os stops loss cortavam as posições nas correções normais do caminho.
Então, o Que Fazer? A Estratégia do Traidor da Classe
Já que estamos aqui, vamos aprender as regras para sobreviver. Se o objetivo é construir patrimônio de forma segura e consistente, e não apenas sentir a adrenalina de apostar, a abordagem precisa ser radicalmente diferente.
Opção 1: A Abordagem Realista (RECOMENDADA)
Portfolio Híbrido 70/30:
• 70% em Renda Fixa: Coloque a maior parte do seu dinheiro onde os verdadeiros ricos colocam. Tesouro Selic, Tesouro IPCA+ (para proteger da inflação) ou um bom CDB que pague mais de 110% do CDI. Isso te garante um retorno próximo de 15% ao ano sobre a maior parte do seu capital.
• 30% em Ações (Buy and Hold): Pegue a menor parte e invista em empresas sólidas, lucrativas, de setores essenciais, e esqueça lá. Pense como sócio, não como especulador. O objetivo aqui é capturar o crescimento de longo prazo da economia, não os soluços diários do mercado.
Com essa abordagem, seu retorno esperado fica em torno de 13,2% ao ano (10,5% da renda fixa + 2,7% das ações), com um risco muito menor e quase nenhum esforço. Você dorme tranquilo, não precisa ficar grudado em gráficos, e ainda assim tem um retorno decente.
É chato? Sim. É seguro? Sim. É o que os verdadeiros ricos fazem? Sim. Eles não ficam operando day trade, eles colocam o grosso do dinheiro em renda fixa e usam uma pequena parte para especular. A diferença é que eles têm milhões para especular, você tem alguns milhares (ou nem isso, correto?).
Opção 2: Trading Como Ferramenta de Aprendizado
Se você realmente tem a coceira do trading e quer aprender, faça isso, mas faça direito:
• Use “dinheiro de pinga”: Separe uma quantia que você possa perder sem dor (Não preciso dizer quanto, preciso?). Considere-o o custo de um curso prático. Não use dinheiro da reserva de emergência, não use dinheiro do aluguel, não use dinheiro que você precisa.
• Use a Estratégia Conservadora: É a única que não te quebrou nos testes. Opere pouco, seja seletivo e siga as regras à risca. Não invente, não improvise, não “sinta” o mercado (em postagens futuras tratei algumas dicas aprofundadas de estratégias).
• Foque no processo, não no lucro: Seu objetivo é aprender a controlar emoções, seguir um sistema e entender a dinâmica do mercado. O lucro (ou prejuízo) é secundário. Se você conseguir operar por 6 meses sem quebrar as regras, já aprendeu mais que 90% dos traders.

Expectativa realista: você provavelmente vai perder dinheiro. Mas se encarar como um investimento em educação, pode valer a pena. Só não se iluda achando que vai ficar rico.
A Conclusão que Nenhum Guru Vai te Contar
Em um país com juros de 15% ao ano, a maior parte das estratégias de trading vendidas como “a solução para sua vida financeira” não passa de uma ilusão. Elas só parecem funcionar em cenários de juros muito baixos, onde qualquer aposta na bolsa tende a dar certo. Quando a Selic estava em 2%, todo mundo era gênio. Com a Selic a 15%, a realidade aparece.
O sistema financeiro não foi criado para te enriquecer. Ele foi criado para extrair valor de você. A melhor forma de se defender não é tentando ser mais esperto que ele em um jogo de curto prazo, mas sim usando suas próprias ferramentas contra ele: a paciência e os juros compostos do investimento mais “chato” e seguro de todos.
Os verdadeiros ricos não ficam operando day trade. Eles colocam o dinheiro em renda fixa, em imóveis, em negócios reais. O trading é entretenimento, não estratégia patrimonial. Quando você vê um “guru” vendendo curso de day trade, pergunte-se: se ele é tão bom assim, por que precisa vender curso? A resposta é simples: porque ele ganha mais vendendo curso do que operando.
Não caia no conto do vigário. A culpa é do capitalismo, mas a responsabilidade de não ser o próximo otário é toda sua.
Referências dos Livros Citados:
Nison, Steve. Japanese Candlestick Charting Techniques. Prentice Hall, 1991.
•Schwager, Jack D. Market Wizards: Interviews with Top Traders. HarperBusiness, 1989.
•Douglas, Mark. Trading in the Zone. Prentice Hall, 2000.
•Gunther, Max. The Zurich Axioms. Harriman House, 1985.
•Murphy, John J. Technical Analysis of the Financial Markets. New York Institute of Finance, 1999.
•Brooks, Al. Trading Price Action Trends. Wiley, 2011.
•Bazin, Décio. Faça Fortuna com Ações, Antes que Seja Tarde. CLA, 2007.
•Aziz, Andrew. How to Day Trade for a Living. CreateSpace, 2016.


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