Sua Consciência Ecológica é uma Piada (e o Sistema Agradece)

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Ah, que admiração. Vejo você aí, todo orgulhoso, desligando a torneira enquanto escova os dentes, cronometrando o banho para não passar de cinco minutos. Você se sente bem, não é? Um verdadeiro herói do planeta, fazendo a sua parte. Que ingenuidade adorável. Deixe-me contar algo que a classe dominante não quer que você saiba: sua consciência ecológica individual é a melhor ferramenta que o capitalismo já inventou para se perpetuar.

Enquanto você se ocupa em uma gincana de virtudes domésticas, o sistema continua sua marcha predatória, e você nem percebe. O traidor da classe ensina: eles querem que você se sinta culpado pelo seu banho para não olhar para o ralo por onde o planeta escorre de verdade.

A torneira pingando e o deserto do agronegócio

Vamos começar com a água. A narrativa é simples e eficaz: a água está acabando, e a culpa é sua. Reduza seu consumo. É uma mensagem que apela à responsabilidade pessoal, e quem seria contra?

Eu sou. Não contra a responsabilidade, mas contra a manipulação. Enquanto você economiza seus preciosos litros, vamos dar uma olhada nos números reais. Dados da Agência Nacional de Águas (ANA) mostram que o setor agrícola consome, sozinho, mais da metade de toda a água do Brasil. Algumas análises, dependendo da metodologia, elevam essa fatia para mais de 90% do consumo total. Para produzir um único quilo de carne bovina, são necessários cerca de 15.400 litros de água. Quinze mil e quatrocentos.

Agora, compare isso com os seus cinco minutos de banho. Você entende a escala? A pressão para que você economize água em casa é uma manobra de distração brilhante. É como tentar esvaziar o oceano com um balde enquanto um transatlântico afunda ao seu lado. O sistema te transforma no vilão da sua própria história para que os verdadeiros barões da seca, os gigantes do agronegócio, possam continuar lucrando com a destruição dos nossos recursos hídricos sem serem incomodados. A culpa é do capitalismo, não sua.

O dilema do tofu: a fofura do animal como critério ambiental?

“Ok, traidor”, você pode pensar, “então o problema é a carne. Vou virar vegetariano.” Outra decisão lógica, cheia de boas intenções. Afinal, se a pecuária é a vilã, a solução é parar de consumi-la. Mas aqui a trama se complica.

Você troca o bife por um prato de soja, acreditando que fez uma escolha eticamente superior. A questão que coloco é: sua escolha foi baseada na sustentabilidade ou no quão fofo é o animal que você deixou de comer? Porque se o problema é o impacto ambiental, a monocultura de soja é tão ou mais prejudicial que a pecuária extensiva.

No Brasil, a expansão da soja é um dos principais motores do desmatamento, especialmente no Cerrado, um bioma de biodiversidade riquíssima que está sendo dizimado. Entre 1988 e 2018, a área de plantio de soja cresceu 328%. Essa expansão significa mais desmatamento, mais agrotóxicos contaminando o solo e a água, mais perda de habitat e mais emissões de carbono. A soja, em grande parte, não é para alimentar humanos famintos, mas para virar ração para a mesma pecuária industrial ou para exportação como commodity.

Parabéns, você trocou um desastre ambiental por outro, mas pelo menos um deles tem uma embalagem mais simpática no supermercado. O problema não é o bife ou o tofu. O problema é o sistema de produção em massa, voltado para o lucro a qualquer custo, que trata a natureza como um recurso infinito a ser explorado.

A ilusão do consumo consciente e da agricultura orgânica

Isso nos leva à falácia final: o consumo consciente. A ideia de que podemos “votar com nosso dinheiro”, escolhendo produtos orgânicos, de pequenos produtores, e assim forçar uma mudança no mercado.

Vamos ser pragmáticos. Como, exatamente, propomos alimentar uma população de quase 8 bilhões de pessoas com soluções individuais e de nicho? A agricultura orgânica ocupa hoje apenas 1% da área agrícola mundial. É um mercado de luxo, acessível a uma pequena parcela da população que pode pagar mais caro para aliviar a consciência.

Consumo consciente é um privilégio. É a capacidade de pagar o dobro por um tomate “ético” enquanto a vasta maioria da população, explorada por esse mesmo sistema, luta para colocar qualquer comida na mesa. Pedir a uma família de baixa renda que pague mais caro por produtos orgânicos não é apenas irrealista, é cruel. É transferir, mais uma vez, a responsabilidade da estrutura para o indivíduo, e de um indivíduo que já é vítima.

Mudar o sistema, não o seu shampoo

Se suas ações individuais não são a solução, o que fazer? Desistir? De forma alguma. O primeiro passo é entender que não existe pureza no capitalismo. Você vai ter que sujar as mãos. O objetivo não é criar uma bolha de pureza pessoal, mas sim lutar para mudar as estruturas que tornam a destruição ambiental lucrativa e inevitável.

É necessário mudar o sistema. Se você não se identifica como comunista, tudo bem. Seja, no mínimo, anticapitalista. Entenda que a lógica do lucro infinito em um planeta finito é uma equação que não fecha. Busquemos soluções coletivas, que pressionem por regulação estatal, por reforma agrária, pelo fim do poder desmedido do agronegócio e por um modelo de produção que sirva às pessoas, e não ao mercado.

Deixe de se preocupar com a duração do seu banho e comece a se preocupar com a organização política. A culpa, repito, é do capitalismo. Mas a responsabilidade de lutar é de todos nós.

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