A Desaceleração Brasileira: Um Banquete para os Rentistas

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Ah, queridos aprendizes do capitalismo tardio! Vocês querem entender a desaceleração econômica brasileira? Deixem-me contar uma história que vocês não lerão nos manuais de economia neoliberal que vendem nas livrarias da Faria Lima. É a história de como transformamos o Brasil no paraíso dos especuladores enquanto condenamos os trabalhadores ao inferno da estagnação. Já que estamos aqui, vamos aprender as regras – afinal, conhecer o jogo é fundamental para sobreviver a ele.

O Freio no Crescimento: Quando a “Responsabilidade” Vira Sabotagem

Imaginem por um momento: vocês têm um carro que pode chegar a 120 km/h, mas alguém decidiu que ele só deve rodar a 60 km/h – não por segurança, mas porque alguns passageiros preferem a viagem mais lenta e confortável. Este é exatamente o Brasil atual. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) revisou para baixo sua projeção de crescimento para 2025, de 2,4% para 2,3% 1, o menor crescimento em cinco anos. Parece pouco? É proposital.

As causas principais dessa desaceleração são cristalinas para quem não está vendido ao discurso oficial: primeiro, temos uma política monetária deliberadamente restritiva, com juros elevados que funcionam como freio de mão puxado 2; segundo, há menor estímulo fiscal devido aos “ajustes” exigidos pelo mercado 3; e terceiro, observamos uma desaceleração do crédito – justamente quando as famílias mais precisam 1.

Ipea mantém projeção de 2,4% para 2025 e projeta apenas 1,8% para 2026 4. Traduzindo: estamos condenados à mediocridade econômica não por incompetência, mas por design ideológico. A economia cresce abaixo do potencial porque existe um grupo que lucra com juros altos e crescimento baixo.

A SELIC: O Instrumento de Dominação de Classe Disfarçado de Política Técnica

Vocês acham que a taxa SELIC é apenas um “instrumento de política monetária”? Que ingenuidade adorável! A SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é na verdade o principal mecanismo de transferência de renda dos pobres para os ricos no Brasil contemporâneo 5.

Oficialmente, a taxa SELIC é “a taxa básica de juros da economia brasileira” que “influencia todas as demais taxas de juros do país” 6. É definida pelo COPOM (Comitê de Política Monetária) do Banco Central a cada 45 dias 5. Sua “função” seria controlar a inflação através do encarecimento do crédito 7.

Mas aqui está o truque: ao tornar o dinheiro mais caro para quem precisa trabalhar e produzir, a SELIC garante rendimentos sem risco para quem já tem capital acumulado. É um sistema onde os trabalhadores pagam juros e os rentistas os recebem. Simples assim.

Por Que 15%? O Banco Central a Serviço dos Rentistas

Banco Central mantém a SELIC em 15% ao ano 6 – o maior patamar desde julho de 2006 8 – usando três justificativas que são, simultaneamente, verdadeiras e falaciosas:

Primeiro, alegam “controlar a inflação”. De fato, juros altos reduzem a demanda e podem conter preços. Mas esquecem de mencionar que a inflação atual tem origem principalmente em choques de oferta (mudanças climáticas, preços internacionais, especulação) que não respondem a juros altos 9.

Segundo, citam “incertezas internacionais” e o “ambiente externo adverso” 8. Verdade, mas outros países emergentes não mantêm juros tão absurdamente elevados. O Brasil tem a segunda maior taxa de juros real do mundo, atrás apenas da Turquia 10.

Terceiro, mencionam “aquecimento da demanda” e “hiato produto positivo”. Tradução: a economia está crescendo “demais” e precisa ser freada 9. Imaginem: num país com 33 milhões passando fome, o problema é que a economia está crescendo!

verdadeira razão é que uma coalizão financeiro-rentista capturou o Banco Central e usa sua “autonomia” para garantir lucros extraordinários aos detentores de títulos públicos 11.

O Mito Inflacionário: Fabricando o Medo para Justificar os Lucros

Existe risco inflacionário real no Brasil atual? Sim e não. Sim, há pressões pontuais vindas de choques externos, clima e alguns serviços. Não, não há uma inflação de demanda descontrolada que justifique juros de 15%.

inflação acumulada em 12 meses está em 5,32% 12, acima da meta de 4,5%, mas em trajetória de queda. O problema é que o Banco Central trata qualquer pressão inflacionária como emergência nacional, quando deveria distinguir entre inflação de demanda (que responde a juros) e inflação de custos (que não responde).

Mais importante: quem paga o preço do “combate” à inflação são sempre os mais pobres, através de desemprego, menor crescimento e corte de gastos sociais. Enquanto isso, os rentistas lucram com cada ponto adicional de SELIC 13.

A Narrativa do Equilíbrio Fiscal: Como os Ricos Manipulam o Discurso Público

Aqui entramos na pièce de résistance da manipulação ideológica brasileira. Os mais ricos manipulam o discurso sobre equilíbrio fiscal criando uma narrativa totalmente falsa sobre as prioridades do país.

Vejam a genialidade perversa do esquema: o mesmo Congresso que resiste ao aumento de impostos para as rendas mais elevadas exige cortes de gastos sociais 14. O Orçamento da União prevê R$ 544,47 bilhões em renúncias fiscais – cerca de 4,4% do PIB 14 –, mas o problema seriam os “gastos” com saúde e educação.

R$ 61,7 bilhões são destinados a emendas parlamentares 14, mas o “rombo” estaria no Bolsa Família. Lucros e dividendos são isentos de imposto de renda desde 1996 15, beneficiando exclusivamente os mais ricos, enquanto quem ganha salário paga até 27,5% 16.

O presidente Lula revelou a dimensão do escândalo: “R$ 860 bilhões em isenção fiscal para os ricos” 17 – quatro vezes o valor do Bolsa Família. Mas a narrativa dominante continua sendo que o problema são os “gastos sociais”.

Haddad: O Social-Liberal Perfeito para o Neoliberalismo do Século XXI

E aqui chegamos ao ministro Fernando Haddad, que representa a versão mais sofisticada do neoliberalismo contemporâneo: o social-liberalismo. Não é mais o neoliberalismo bruto dos anos 90, mas sua versão “humanizada” que mantém a essência enquanto cosme-tiza a aparência.

Haddad mantém todas as políticas neoliberais que prejudicam os trabalhadores: juros altos, superávit primário, teto de gastos disfarçado 18. O PCB foi certeiro ao definir seu pacote fiscal como “rendição à agenda neoliberal da burguesia” 18. Mesmo economistas críticos apontam que Haddad “aderiu à cartilha dominante dos ministros da Fazenda desde os anos 90” 19.

Mas aqui está a genialidade: Haddad faz tudo isso com discurso progressista. Fala em “justiça social” enquanto corta direitos dos trabalhadores. Critica o “mercado” enquanto aplica suas receitas. É o neoliberalismo com face humana que Naomi Klein descreveu.

O resultado? Até setores do PT criticam suas políticas 20, mas Haddad se mantém como o ministro “técnico” que “entende de economia”. É a tecnocracia neoliberal perfeita: impopular nas ruas, aplaudida pelo mercado 21.

O Paraíso dos Rentistas: Como os Ricos Enriquecem com Nossa Miséria

Finalmente, chegamos ao ponto central: como exatamente os mais ricos ganham com os juros altos do Brasil? O mecanismo é elegante em sua perversidade.

Com SELIC a 15%, investimentos em títulos públicos rendem mais de 1% ao mês 22. Para os detentores de grandes fortunas, isso significa lucros extraordinários sem qualquer risco ou esforço produtivo. Um investimento de R$ 15 milhões aplicado em 1995 se transformaria em R$ 1 bilhão hoje apenas com títulos do governo 23.

Os bancos lucram duplamente: primeiro, pagam juros baixos nos depósitos e emprestam caro; segundo, aplicam suas reservas em títulos públicos com alta remuneração 13. Em 2024, apenas 3 bancos privados lucraram R$ 74,8 bilhões 13.

O custo dessa farra recai sobre toda a sociedade: cada ponto de alta na SELIC significa R$ 55 bilhões adicionais nos gastos públicos com juros 24. Em 2024, o governo gastou R$ 924 bilhões apenas em juros da dívida 25. É mais que o orçamento da saúde e educação juntos.

Enquanto isso, empresas não investem porque é mais rentável aplicar no financeiro do que produzir 26. Trabalhadores perdem empregos porque o setor produtivo não consegue competir com os rendimentos financeiros 2. O país se desindustrializa porque especular é mais lucrativo que produzir.

O Jogo Está Viciado, Mas Precisamos Conhecer as Regras

Chegamos ao fim desta “aula” sobre a desaceleração econômica brasileira. O diagnóstico é sombrio, mas não me venham com romantismo revolucionário. O jogo está viciado, mas ainda precisamos jogá-lo para sobreviver.

A desaceleração da economia brasileira não é um acidente, é um projeto político deliberado para manter uma estrutura de poder que privilegia rentistas em detrimento do setor produtivo. A SELIC elevada, os “ajustes fiscais” e o discurso da responsabilidade são instrumentos dessa dominação.

Haddad personifica perfeitamente este sistema: um progressista que aplica políticas conservadoras, um crítico do neoliberalismo que implementa suas receitas, um ministro dos trabalhadores que trabalha para os banqueiros.

Mas já que estamos presos neste sistema, ao menos entendamos suas regras. Protejam-se como puderem: diversifiquem investimentosnão se endividem com juros altosconstruam reservas de emergênciaNão é revolucionário, é autodefesa.

E lembrem-se sempre: o traidor da classe ensina as regras do capitalismo não para que vocês se tornem capitalistas, mas para que sobrevivam enquanto lutamos para que este circo um dia pegue fogo.

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